Conheça a trágica e empoderada historia por trás de 'El Mal Querer', da Rosalía

By Lindomar Junior - 15:41


Nascido como o TCC para conclusão do curso em Música Flamenca, o álbum El Mal Querer, da artista Rosalía não é só uma das grandes revelações de 2018, mas também um dos álbuns mais marcantes de música hispânica dessa década. Seu debut álbum Los Ángeles é extremamente colaborativo e apresenta músicas de domínio popular, da cultura cigana e flamenca, e após o seu lançamento, a espanhola despontou como uma das grandes apostas da música flamenca. Mas em El Mal Querer, Rosalía toma outro caminho, misturando a música flamenca com trap e pop e conquistando fãs pelo mundo todo.


A produção de todas as faixas do trabalho são assinadas pela propria Rosalía com o El Guincho, sendo inspirado no livro Flamenca, um romance do século 13, de autor anônimo, escrito em occitana, língua romântica do mesmo ramo do galego-português (que deu origem a nossa língua portuguesa), e que por consequência deu origem a língua espanhola. Conta a história de um triângulo amoroso, em que a mulher é fatalmente a vítima, no entanto, como a maioria dos livros da era medieval, o texto não tem um fim. 

O que a Rosália propõe nesse trabalho, é recontar a história de Flamenca de um jeito diferente, dessa vez apresentando um fim e reconstruindo a história em favor da visão feminina.


Logo na primeira faixa, Malamente, que tem como subtítulo (Cap. 1: Augurio), tem como tema principal a descoberta da mulher através de uma cigana, que o seu casamento marcado tinha grande chances de terminar em desgraça. Logo nos primeiros versos se releva o destino da personagem principal, mostrando uma clara metáfora ao mal que vai acontecer após o casamento. "Esse vidro estilhaçado, percebi como rangia. Antes de cair ao chão, já sabia que se quebrava."



Na segunda faixa, QUE NO SALGA LA LUNA (Cap.2: Boda), temos a visão completa do casamento, uma boda rica, cheia de diamantes, amores prometidos, o desejo e o amor virginal, o noivo (eu lirico, pela própria voz da Rosália), canta: "O dia que a encontrei, tenho sinalado a ponta de navalha. Prima, sobre a parede, tenho sinalado a ponta de navalha." A ameaça, os objetos afiados se misturam as promessas de amor. "Se há alguém aqui que se opõe, que não levante a voz. Que a noiva não o escute, que a Lua não saia que não tem para que." O noivo é capaz de ameaçar até as próprias forças naturais para manter a mulher como objeto.



Na terceira faixa, PIENSO EN TU MIRÁ (Cap.3: Celos), o marido canta sobre sua mulher: "Fico com medo quando você sai sorrindo para a rua, porque todo mundo pode ver suas pequenas covinhas que saem." A partir de então começa um canto obsessivo, sobre relacionamento abusivo. Ele sente ciúmes da água que toca nos lábios da noiva, do ar que passa pelos cabelos da mulher.



Na quarta faixa, temos as primeiras ameaças, DE AQUÍ NO SALES (Cap.4: Disputa). O homem começa a mostrar sua verdadeira face: "Dói mais em mim do que te magoa, não se equivoque comigo." Após isso, as primeiras agressões físicas: "Com as costas da mão, deixo muito claro para você." A voz da Rosália para, e palmas começam, representando a agressão físicas, e gemidos de dor de mulher.



Na quinta faixa, RENIEGO (Cap.5: Lamento), a voz da Rosália dá abertura para o lamento de uma mulher agredida: "Eu rio por fora e choro por dentro." Ela renega ao amor obsessivo.



Em um pequeno interlúdio, PRESO (Cap.6: Clausura) um pequeno relato de uma mulher que "desceu ao inferno", representando seu relacionamento abusivo e saiu com "dois anjos", dois filhos. E no fim, ela reflete: "Te prende sem você perceber, você percebe quando você sai. Você pensa, como eu cheguei aqui?". A mulher já está presa em meio à um relacionamento abusivo.



E então chegamos a BAGDAD (Cap.7: Liturgia), que começa com um sample de Cry Me a River, do Justin Timberlake, e só por aí você sabe para onde a música vai. Bagdad é nome de cidade santa, mas também da maior boate de strip da Espanha. O eu lírico canta: "E vai queimar, se continuar assim, as chamas vão para o céu para morrer. Não há mais ninguém lá fora, não há mais ninguém batendo palmas". Não há salvação a não ser sair da situação sozinha. E a mulher de mãos juntas cantando o Flamenco, parecia que rezava aos céus pra sair dessa situação.



Em DI MI NOMBRE (Cap.8: Éxtasis), ela se vê atada a esse inferno conjugal, atada a cama do seu marido abusivo. E ela pede para ele dizer seu nome em meio ao sexo, pois é só nesse momento em que se ela se sente valorizada. "Diga meu nome, coloque seu corpo contra o meu. Faça que o mal seja bom e o impuro abençoado. Já me ora sobre teu corpo e no canto de sua cama. E no último momento fale meu nome.".



NANA (Cap.9: Concepción), a mulher percebe que está grávida do seu marido, e lamenta por ter que conceber um filho em meio a esse relacionamento abusivo. A música pode significar a busca e a vontade de abortar esse filho de forma consciente, para evitar que ele sofra: "Na porta do céu eles vendem sapatos, para os anjinhos que estão descalços."



Nesse momento, em MALDICIÓN (Cap.10: Cordura), a mulher toma consciência de seu estado, e entra o título do álbum, o "El Mal Querer". O amor que leva a morte, a loucura, a dor: "Ah, o amor. Em um momento eu desejo estar louca e não amar, porque o amor causa dor, dor que não tem fim e os loucos vivem sem ela." A mulher decide fugir desse relacionamento: "Me disseram que não há saída, por esta rua estou indo. Me disseram que não há saída, eu tenho que encontra-la, mesmo que isso me custe minha vida ou mesmo se eu tiver que matar". E ela cumpre sua promessa, em meio a barulhos de facas e carne sendo cortada, ela mata o homem: "Eu deixei uma trilha de sangue pelo chão." Uma trilha que leva ao primeiro dia, ao vidro quebrado, como vaticínio desse amor fracassado.



E no fim, na última faixa, A NINGÚN HOMBRE (Cap.11: Poder), a mulher enfim se liberta, e grita um manifesto: "Para nenhum homem eu consinto que emita minha sentença. Só Deus pode me julgar, só para Ele eu devo obediência"E declara que amor era lindo, até se tornar uma ameaça: "Até você ser o carcereiro, eu era sua, companheiro. Até você ser o carcereiro.Mas promete nunca esquecer desse amor, que marcou ela de tantas formas negativas, e que vai carregar suas consequências pelo resto da vida "como uma tatuagem na pele".



Com maestria, em 30 minutos, exatos, Rosalía faz um dos atos mais complexos do pop nas últimas décadas. O trabalho ganhou reconhecimento e muita aclamação ao redor do mundo, fazendo da artista um fenômeno que levou prêmios importantíssimos pra casa e conquistou o coração de muita gente com sua originalidade e talento.


O texto foi retirado de um post que viralizou no facebook do Lucas + Fiz algumas correções de textos, adicionei novos detalhes e adaptei para melhor leitura no blog.

Crédito das fotos: Reprodução/Rosalía

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